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Amazônia pode chegar ao ponto de não retorno até 2050, alertam cientistas

Pesquisa liderada por cientistas brasileiros estima que o ritmo da degradação da floresta nas últimas décadas pode levar a colapso parcial do ecossistema. Ainda dá tempo de evitar uma possível perda irreversível da biodiversidade, diz pesquisadora.

Mayara Subtil 20/02/2024

Um estudo divulgado (14/02) na revista “Nature” e liderado por cientistas brasileiros revela que o ritmo da degradação da Amazônia nas últimas décadas pode levar a floresta ao chamado “ponto de não retorno” até 2050. É um estágio em que o bioma passaria por transformações e impactos diretos nos padrões de chuva e na biodiversidade.

Cientistas estimam que, nos próximos 25 anos, até 50% da floresta amazônica poderão estar expostos a ameaças severas e sofrer transição de ecossistema. Foto: Amanda Perobelli/Reuters

Temperaturas mais altas, secas severas, desmatamento e avanço de incêndios enfraquecem mecanismos que garantem a resiliência do ecossistema. Isso aproxima o bioma da “transição crítica”, ou seja, do ponto de não retorno. Entre os limites críticos citados pelos pesquisadores, estão uma alta de temperatura acima de 1,5°C e desmatamento acumulado de 20% da cobertura florestal.

O estudo é liderado pelos pesquisadores brasileiros Marina Hirota e Bernardo Flores, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e tem participação de cientistas do Brasil – como Carlos Nobre, José Marengo e Erika Berenguer –, Estados Unidos e Europa. A pesquisa contou com financiamento do Instituto Serrapilheira e apoio das Nações Unidas.

Se nada for feito para reverter o cenário, os cientistas estimam que, nos próximos 25 anos, até 50% da floresta amazônica estarão expostos a ameaças severas e poderão sofrer uma transição de ecossistema, com perda de capacidade de recuperação natural do bioma e conversão a outras formas da floresta, incapazes de cumprir o papel de sumidouro de carbono. A projeção pode chegar a 70% até o fim do século.

Passando desse ponto, o clima ali muda tanto que é um clima que não mantém mais a floresta. Por exemplo, a estação seca fica muito longa. Temperatura está mais alta, chove menos durante a estação seca, agora chove 30% a menos durante a estação seca, a temperatura durante a estação seca está 2 a 3 graus mais quente. E se você ultrapassar o ponto de não retorno o que que acontece? a vegetação vai se degradando. Quase certamente ela vai se tornar um ecossistema degradado”,

explicou o climatologista Carlos Nobre.

Colapso

Esse ponto de colapso da Amazônia é um dos principais focos de atenção na discussão científica sobre mudanças climáticas, em razão dos impactos para o clima, que extrapolam os limites do bioma, à emissão de CO2, bem como o modo de vida dentro e fora da região amazônica.

Estimativas levadas em consideração em antigos estudos sobre o caso revelam também a possibilidade de não retorno com um desmatamento de 20% a 25% da floresta. A perda de vegetação está, atualmente, na casa dos 17%, a depender do critério utilizado e da área avaliada. Para a pesquisadora e autora da publicação na “Nature”, Marina Hirota, ainda dá tempo de evitar uma possível perda irreversível da biodiversidade.

O que a gente precisa realmente é pensar no desmatamento zero, o mais rápido possível. Isso pode parecer um pouco utópico, mas essa é a meta que a gente precisa ter. A segunda coisa eu diria ações de restauração e, nessas duas frentes, eu vejo o governo federal com iniciativas promissoras pra que isso aconteça, mas isso precisa envolver a ciência de maneira muito forte e não só em iniciativas isoladas”,

disse Marina.

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prometeu zerar a perda florestal da Amazônia até 2030. A meta compõe o compromisso brasileiro com o Acordo de Paris. O tratado foi definido em 2015 no âmbito da Organização das Nações Unidas, e busca limitar o aquecimento global, com perspectiva de que a alta da temperatura não ultrapasse 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais.

Não podemos deixar a temperatura passar de 1,5C. Se ela chegar a 2,5C, vai fazer a seca se tornar tão intensa e tão frequente na Amazônia e nós passaremos do ponto de não retorno e a Amazônia também vai caminhar para essa degradação de até 50% e a floresta vai desaparecer”,

reforçou o climatologista Carlos Nobre.

Em 2023, a Amazônia brasileira passou uma seca histórica, com recordes de baixas dos rios, queimadas e alteração radical do modo de vida das pessoas que vivem na região, sobretudo em comunidades tradicionais.

A vazante extrema perdurou mais do que estiagens anteriores. As chuvas foram bem mais escassas (na seca e na cheia) e rios secaram drasticamente, o que deixou comunidades inteiras sem água potável, comida e meio de locomoção. Municípios como Manaus, no Amazonas, a cidade mais populosa da Amazônia, foram encobertos por ondas de fumaça meses a fio.

O extremo climático na floresta amazônica ocorreu por conta de uma combinação dos efeitos potentes do El Niño, bem como do aquecimento do Atlântico Tropical Norte, das mudanças climáticas e da degradação da floresta.