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Sou indígena e minha língua é minha ancestralidade

Precisamos de proteção das nossas línguas e principalmente que o nosso direito de falar a nossa língua materna não seja violado.

Luciene Kaxinawá 23/11/2023

Dia desses um motorista de aplicativo olhou pra mim e disse: você é colombiana? eu respondi, não.

Ele prosseguiu, você é índia? tem cara de índia! eu respondi, não, eu sou indígena.

Ele continuou e disse, ah, então você fala tupi guarani! também respondi que não, que o meu povo fala a própria língua e que cada povo tem a sua própria língua. Ai comecei a pensar como a maioria das pessoas não indígenas conhecem tão pouco sobre nós povos indígenas e principalmente quando se fala em comunicação.

“É preciso lutar pelo direito de falar a nossa própria língua”.

O meu povo, povo Huni Kuin – ou também chamado Kaxinawá – fala a Língua Hãtxa Kuin, ou como os não indígenas colocaram: “Pano”. E uma grande parte da nossa população é bilíngue, isso significa que falamos nossas línguas e o português. No meu povo, uma parte significativa fala também o espanhol por viverem numa região de fronteira com o Peru. Assim, não é raro encontrar indígenas em situação de bilingüismo, trilingüismo ou mesmo multilingüismo, ou seja, que falam mais de uma língua, eu por exemplo falo o português; estou em constante aprendizado na minha língua materna e agora também aprendendo a falar na língua tupi mondé, porque sou casada com um indígena Paiter Suruí e essa é a língua materna do povo dele.


Hoje, no Brasil, são faladas 274 línguas indígenas por 305 povos diferentes. Sim, outros povos podem falar a mesma língua e quando isso acontece dizemos que pertencem ao mesmo tronco linguístico, por exemplo, os povos Paiter Suruí e Cinta Larga falam a mesma língua, o que muda são os sotaques ou o modo da pronúncia, mas palavra e o significado são os mesmos. Assim, acontece com o povo Juma do sul do Amazonas e Jupaú que falam Tipi Kawahiva, o meu povo e o povo Marubo falam tem em comum o tronco linguístico Pano.

Como era antes da chegada do colonizador?

Antes da colonização, eram mais de mil línguas indígenas em todo o território brasileiro. De acordo com um levantamento da UNESCO, das 190 línguas citadas, 12 já são consideradas extintas, ou seja, não têm mais nenhum falante vivo. Muitas dessas línguas desapareceram junto com seu povo, por causa de múltiplas violências, doenças, guerras e principalmente a colonização e catequização dos povos indígenas, após a chegada dos colonizadores.

Os nossos cantos eram uma forma de preservar memória e a nossa língua. Para nós, as nossas línguas não apenas identificam suas origens ou a nossa participação dentro de uma comunidade, mas também transmitem os nossos saberes, modos de vida do nosso povo, dos nossos antepassados. As línguas indígenas são importantes para a nossa sobrevivência e ancestralidade.

Você sabia que desde o ano passado até 2032 é a década das línguas indígenas ?

A Década Internacional das Línguas Indígenas é uma celebração organizada pelas Nações Unidas e liderada pela UNESCO. O objetivo é chamar a atenção para o processo de perda das línguas indígenas e para a necessidade de se pensar em ações para proteger, revitalizar e promover estas línguas.
No documento de lançamento está escrito:

A UNESCO proclamou o decênio 2022-2032 como Década Internacional das Línguas Indígenas com o intuito de refletir sobre as ameaças contra as línguas indígenas e, sobretudo, com o objetivo de propor ações em nível nacional e internacional, para a promoção e o fortalecimento dessas línguas. No Brasil, foram criados grupos de trabalho, que agregam indígenas e não indígenas, para a reflexão e discussão das ações a serem implementadas.”

Precisamos dessas ações, precisamos de proteção das nossas línguas e principalmente que o nosso direito de falar a nossa língua materna não seja violado. Muitos pais, como os meus, preferiram na infância não ensinar a língua materna e só o português, por vergonha de falar em público, medo de sofrer com o preconceito como muitas vezes acontecia e acontece até hoje.